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Tão logo aceitei o honroso convite para escrever este artigo, não tive dúvidas: deveria falar de minha mania de “fabular” a escola.

Gosto como o filósofo francês Gilles Deleuze (1925-1995) define o termo “fabulação”: «é uma forma de criação, de pensamento que faz crer em um novo real». Segundo ele, «só é possível fabular quem foi afetado por algo, maior que ele mesmo, algo com o qual ele não pode responder com seus recursos habituais, que foge de seus movimentos ordinários». Em resumo, pode-se dizer que o indivíduo se deparou com um problema que o levou a fabular.

Ora, pensando analogamente, trazendo Deleuze para o nosso contexto, faço aqui uma pergunta retórica: não deveríamos nos questionar se não será a fabulação das coisas que nos salvará nestes tempos de pandemia?

De minha parte – e não sozinha – devo dizer que, há tempos, tenho tido o hábito diário de fabular as coisas, as pessoas e, em especial, a escola. Ou antes, os alunos. Neste caso, começo invariavelmente pensando em como deve ser difícil para eles ficarem diariamente aprisionados por sirenes, vozes e compassos; sufocados entre espaços, currículos e vontades (e ainda agora quando estão isolados em casa). Nesse meu particular processo de fabulação com eles, sigo a imaginá-los livres, mas amplamente conectados por vontade aos seus projetos de vida ainda que necessário seja insistir que eles reconheçam tais projetos.

Fabular as vidas e os projetos dos alunos, crianças, adolescentes e jovens requer muita coragem, planejamento e respeito. E não entro aqui no mérito das pedagogias, pois há muito o que se debater sobre elas e suas lógicas inovadoras. Entretanto, prefiro mesmo é fabular a minha pedagogia. Nela posso criar de verdade e com toda a audácia, perguntando sempre: o que mais arde ou queima em você hoje? Quais são as questões que estão lá fora e que mesmo assim o impactam? Caso tivesse todo o tempo de que precisa, a qual assunto, questão ou problema você se dedicaria, com vontade? O que o intriga, encanta, move? Quais são suas perguntas e de que respostas precisa neste instante? E, finalmente, que tal fabular agora mesmo tudo isso, num projeto seu, no qual eu possa me incluir?

Como se vê, a escola está muito distante deste projeto de fabular vontades e sonhos, até porque naquelas outras pedagogias baseadas em algo, apesar de se afirmar que os alunos estão no centro da aprendizagem, eles nunca estão lá de verdade. No máximo, são coadjuvantes de um projeto para o qual farão render produtos ou soluções para os que ainda creem na disciplinarização do currículo. Assumo aqui mea culpa por ser professora, pedagoga e por estar nas escolas há tanto tempo, mas entendo que o valor atribuído à Educação (e às escolas em geral) consagra a sobrevivência de arquétipos caducos, personagens descolados da vida. São justamente eles que estão gritando por uma fabulação, ainda mais nestes tempos.

Fica aqui a sugestão de sonhar a escola e você bem sabe com quem. Como? Sugiro uma pedagogia que valorize projetos e que consiga dar conta dos saberes e urgências. Imagino a escola e seus agentes, apenas prontos para ajudar os alunos a digerir e popularizar o conhecimento, garantindo que, desta vez, não sejam aprisionados pelos currículos, sirenes e espaços.

Tenho fabulado muito: sob o pretexto da Cultura da Paz (2010 a 2015), das Vozes Ancestrais (2016), das Histórias sobre Ética (2017), das Brincadeiras com o Cubo (2018) e dos Podcasts Narradores de Direitos (2019). Fabulações em andamento: Observatório Povos Originários, Laboratório de Vozes e Cia. Estou me aperfeiçoando nisso ainda, mas já ouso pensar uma fabulação coletiva, transdisciplinar, entre currículos, séries e níveis de ensino. Obviamente, com eles.

A verdadeira inovação – ou fabulação – está em compreender que, na escola, os indivíduos sempre estarão «afetados por algo maior que aquilo que nos dispomos a oferecer»; e que necessário será fabular generosamente com eles para além dos «recursos habituais e dos movimentos ordinários».

Helenice Schiavan
Professora de Línguas Portuguesa

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